segunda-feira, 8 de março de 2010

Veganismo: apenas mais um meio de reduzir sofrimento ou um princípio fundamental de justiça & não-violência?

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 7 de março de 2010

Caros(as) colegas:
É importante entender que há diferenças significativas entre as pessoas que se consideram veganas.
Uma diferença importante é aquela entre quem afirma que o veganismo é simplesmente um meio de reduzir o sofrimento e quem afirma que o veganismo é um compromisso fundamental com a justiça, a não-violência e o reconhecimento da personalidade moral [moral personhood] dos animais não-humanos.
A diferença entre esses dois grupos não é uma mera questão de teoria abstrata—ela tem profundas consequências práticas.
Entre os novos bem-estaristas (ou neobem-estaristas), a postura predominante com relação ao veganismo é que o veganismo é um meio—um dos meios—de reduzir o sofrimento. Entendido dessa maneira, o veganismo não difere de comer ovos de aves livres de gaiolas de bateria ou carne produzida num matadouro projetado pela ganhadora do prêmio da PETA, Temple Grandin. Segundo os novos bem-estaristas, todos esses são apenas meios de reduzir o sofrimento. Se X opta por reduzir o sofrimento sendo vegano, ótimo; se Y opta por reduzir o sofrimento comendo ovos de aves livres de gaiolas de bateria, ótimo. Se X decide reduzir o sofrimento não comendo nenhum produto animal nas segundas-feiras, e, nas terças-feiras, comendo produtos animais produzidos de modo “humanitário”, está certo. Afirmar que, por uma questão moral, X deveria ser vegano não só nas segundas e terças-feiras, como também em todos os outros dias, é ser “absolutista”, “fundamentalista” ou “fanático”.
Pessoas como Peter Singer e grupos como o “Vegan” Outreach e a PETA mantêm essa postura. Por exemplo, Singer sustenta que ser um “onívoro consciencioso” é uma “postura ética defensável”. Ele alega que ser um vegano consistente é “fanatismo”. Ele se rotula como um vegano “flexível” que deixará de ser vegano nas ocasiões em que isto for conveniente. Ele menciona comer laticínios e ovos de animais criados soltos. Ele fala sobre o “luxo” de comer carnes e outros produtos oriundos de animais que tenham sido bem tratados, no modo de ver dele, e mortos de modo “humanitário”. A PETA alega que a adesão ao veganismo como questão de princípio é uma questão de “pureza pessoal”, “modismo cultural narcisista” e “obsessão fanática”. O “Vegan” Outreach deixa clara sua ênfase no sofrimento e minimiza a importância do uso de animais ao afirmar que o veganismo:
não é um fim em si mesmo. Não é um dogma ou uma religião, nem uma lista de ingredientes proibidos ou leis imutáveis—é apenas uma ferramenta para nos opormos à crueldade e reduzirmos o sofrimento.
Uma pressuposição fundamental da postura neobem-estarista é que matar animais, em si, não causa dano aos animais. Os animais não se importam que os usemos e os matemos; eles só ligam para como os tratamos e os matamos. Contanto que eles não sofram demais, eles são indiferentes ao fato de os usarmos. Eles não têm nenhum interesse em continuar a existir.
Foi esse pensamento que guiou as pessoas rumo ao movimento a favor de carnes/produtos animais “felizes”, o mais grave revés na luta por justiça para os animais não-humanos em décadas. É esse pensamento que leva a PETA e Singer a afirmarem que pode ser que tenhamos a obrigação moral de não ser veganos em situações em que outras pessoas fiquem aborrecidas ou desconcertadas com a insistência no veganismo.
Eu rejeito esse ponto de vista. Creio que é especista afirmar que os animais não-humanos precisam ter mentes semelhantes às mentes humanas para terem interesse na existência continuada. Qualquer ser senciente tem interesse na vida continuada, pois ele prefere, quer ou deseja permanecer vivo.
Assim como não podemos justificar a escravidão humana, não podemos justificar o uso de animais não-humanos como recursos dos humanos. O uso de animais e a escravidão humana têm pelo menos um importante ponto em comum: as duas instituições tratam seres sencientes exclusivamente como recurso alheio. Isso não pode se justificar com respeito aos humanos; não pode se justificar com respeito aos não-humanos—por mais “humanitário” que seja o modo de os tratarmos.
A abordagem abolicionista vê o veganismo como a aplicação do princípio da abolição à vida do indivíduo. É a nossa expressão pessoal de que aceitamos a personalidade moral de todos os seres sencientes e rejeitamos a condição dos animais não-humanos como propriedade. O veganismo é uma parte essencial do nosso compromisso com a não-violência.
O veganismo não é simplesmente um meio de reduzir o sofrimento; é o mínimo que a justiça para os não-humanos requer. Não é o último passo na nossa jornada para rejeitar a esquizofrenia moral que caracteriza a relação humanos/não-humanos; é o primeiro passo. Se os animais tiverem alguma importância moral, então não podemos usá-los para comida, roupa ou qualquer outra finalidade. Um vegano não é um vegano somente nas segundas-feiras ou somente quando for conveniente. Um vegano é um vegano o tempo todo. Eu não deixaria de ser vegano só porque meu veganismo deixou alguém constrangido, da mesma forma que, se alguém contasse uma piada racista ou assediasse uma mulher, eu não ficaria calado só porque objetar deixaria o ofensor constrangido.
Não é “absolutista” nem “fanático” ser um vegano consistente, assim como não é absolutista nem fanático ser consistente quanto a rejeitar o estupro e a pedofilia. Na verdade, caracterizar o veganismo consistente como “absolutista” é especista precisamente porque não caracterizaríamos assim a nossa rejeição total às formas fundamentais de exploração humana.
Se você não for vegano(a), torne-se vegano(a). É realmente fácil. É melhor para a nossa saúde e reduz a violência que praticamos contra nós mesmos. É melhor para o planeta e reduz os danos que causamos aos lares de seres sencientes e aos ecossistemas que sustentam a vida. Mas o mais importante é que é a coisa moralmente certa a fazer. Todos nós dizemos rejeitar a violência. Então vamos levar a sério o que dizemos. Vamos dar um importante passo para reduzir a violência no mundo, começando por aquilo que pomos na nossa boca e no nosso corpo.
E lembre-se, isto não é uma impossibilidade: O MUNDO É VEGANO! Se você quiser.
Gary L. Francione
© 2010 Gary L. Francione

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Tradução: Regina Rheda